03 junho 2013

sobre o Amor que fica


Me diga então, que faço com esse Amor que não nos serve mais e que se recusa a sair porta fora, como você, malas em punho, sexta-feira passada. Melhor ignorá-lo, como se ignora uma criança que faz birra? 
- Fique aí no canto de castigo Amor, até que eu aprenda tudo que fiz de errado. E segure essas lágrimas, porque ninguém lhe bateu, ainda!
Talvez se não fizer muito barulho? Deixado sossegado em um canto possa adormecer, como esse seu novo filho, perdido em sonhos felizes, que teus braços acalentam. Mas o Amor não tem mais teus braços para se aconchegar. Apenas vagueia por aqui, feito um louco coletando lembranças perdidas entre as curvas do cérebro, bêbado de saudades. E me atrapalha com sua inconveniência. Me amarra à cama e deixa a alma em dias de chuva. Mexe no meu fogão e queima a tarte de maça que você gostava tanto.
Saí à rua e levei o Amor comigo, entre becos estreitos e trânsito fechado, o Amor não se perdeu. Me seguiu e não consegui me desvencilhar. Esteve sempre comigo pelos bairros perigosos, me fez até sorrir ao apontar o jardim onde primeiro se juntou a nós, até lá apenas um estranho par de mãos dadas.
Como se mata um Amor? Dentre todas as religiões, ele talvez seja Budista. E precise morrer para nascer de novo. Mas eu, que desvio de incautas formigas que trilham meus mesmos caminhos, não saberia, de cabeça fria, matar um amor que vi chegar e crescer.
Pode ser que, com o tempo, o Amor se esqueça que existe. Demente, se perca no meio de tanta tralha que a vida nos faz juntar. Ou se mantenha escondido, onde eu não precise sofrer por lembrar que ainda está aqui, perdido atrás das contas para pagar, das recordações do último almoço em família, da pilha de papéis que prometi organizar três anos atrás. E fique aí, mofado, mirrado, no seu canto. Um Amor enrugado, desidratado e desnutrido que durante muito tempo me esforcei por não alimentar. E que farto de tão pouco cuidado me deixe, saia finalmente porta fora para virar mais um Amor-mendigo, sem-teto, à procura de um novo lar.

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