O ano era novo mas a mesma velha criança a deixava encucado. Velha quanto poderia ser uma criança que viu quase uma decada de natais desfilando pelas vitrines sem entender direito o que faziam aqueles homenzinhos fantasiados sem que fosse carnaval naquelas roupas que deviam fazer um calor dos infernos. Estava por aquela esquina desde terna idade, do ínicio não sobrou história. Só Muleque. Entre os bebuns do bar da esquina se cogitava que os pais, ou a mãe, também da rua, tivessem sofrido algum acidente deixando para trás o fedelho que mal se sustinha sozinho nas pernas. O juizado de menores tinha sido chamado algumas vezes, alguns, inclusive os menos ébrios, juravam que em algumas delas Muleque entrara no carro. Mas pouco tempo depois lá estava ele novamente de volta. Tinha um entendimento curioso das coisas. Nunca tivera que lhas explicasse mas tinha se virado bem obrigado, criando suas próprias justificativas. Tem o olhar safo de quem precisa destrinchar rapiamente prováveis algozes entre os transeuntes que, em sua maioria, passam e desviam o olhar. Ou não notam, de verdade. Tão acostumados às mazelas cotidianas que apenas passam por elas sem lhes dedicar um pensamento. E assim, circulando com a propriedade de quem conhece bem o chão que pisa, Muleque, ao contrário dos que cruzam com ele, se atem a cada detalhe. Sabia que no final do dia chegaria até ela testando as verdades que amealhara com aquelas observações. E ela precisaria estar pronta.
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