20 agosto 2010

fora da casca a vida é mais crocante

"Sempre há um quê de ridículo nas emoções 
das criaturas que deixamos de amar."


Ele vive numa concha, que talvez não se abra nem por dentro. Você anda de roda, à espreita. Volta quando o tempo está melhor para reencontrar apenas a concha, seu conteúdo e silêncio. Volta de noite, às 00h00, aquela hora mágica em que tudo pode acontecer, para surpreender os mais belos espectáculos da natureza. A azáfama da vida que não tem tempo a perder, o degradê de verdes que acompanha a mudança das estações. Só a concha permanece oclusa. Eventualmente decide que ela é bonita, mesmo assim imóvel, e talvez abrigada das intempéries revele sua preciosidade. E a deixa um tempo na sala. Mas a moda dita mudanças na decoração e aqueles matizes já não combinam com as novas almofadas do sofá. Então passa para a varanda, e depois para o jardim onde seu sobrinho traquina a encontra e guarda no bolso para exibir aos coleguinhas.
De dentro talvez ele sinta essas atribulações, talvez a casca seja impermeável. A imobilidade é segura. E o seguro é chato. Mas isso ele já sabe também. A verdade é que, haja, não haja conteúdo, o mundo apenas vai conhecer a concha, e o conteúdo o continente. Há quem se contente com isso e chame de viver.

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