19 setembro 2005

tia

A data festiva tinha-os feito trocar os chopes habituais madrugada a dentro (e madrugada afora!) pelo burburinho vespertino do shopping lotado. Trajava berbudas pastéis, blusa desbotada fazendo coro com o rosto desbotado pelos anos passados atrás do balcão. Tinha servido bebida a milhares como ela, porém a nenhuma igual. Daquelas mulheres que são com toda a falta de propriedade chamadas de gordas. As generosidades espremidas na blusa pink tentando a todo o custo aproveitar a agitação do shopping. 45? 50? Certamente sofridos. A gargalhada súbita confirma. É ampla e forte como os seios, triste como o olhar que aceita calado beijos do quase estranho que a escuta enlevado. "Nunca apareceu um homem que prestasse. Não pude criar. Me chamam de tia, tem roupas boas e viajam para onde querem".
"Maria era o nome da minha mãe" sussura esfregando edipianamente a face nas farturas dela, que nunca tinham conhecido as funções leiteiras habituais. "Nunca dei os peitos para elas". Não contou que os dava nos meses seguintes aos marmanjos da praça depois das funções de amor. Aconchegava e ninava até que a lua se despedisse.
Ele falou dos pais e da infancia suburbana, contou que fugia dos meninos que faziam piadas da sua ascendência lusitana. Não falou de Suzete, paixão repentina que se fora sorrateiramente junto com a aposentadoria do mês. Contou sim das sextas feiras da sua juventude, quando se iniciou nas artes do carteado. Até hoje poucas vezes tinha perdido.
Sairam da mesa mãos dadas, almas desconectadas. Ele receoso com a aposentadoria do mês seguinte, ela pesquisando chocolates para as sobrinhas.

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