alguém

Acordou sem entender nada. Tinha alguém ali, do lado, roubando parte considerável do seu edredom. Alguém que deixara displicentemente a coxa entre as suas. Arriscou um olhar furtivo. Bela coxa. Buscou na memória a noite anterior. Não, não tinha bebido e a machonha tinha sido um evento isolado aos 17 anos. Vamos ver... tinha acordado, café frio, sanduiche de almoço, trabalho... trabalho, chegara exausto. Isso, chegara exausto e fora para a cama fedendo a hora extra. Se não estava entregue a Dionísio, talvez Morfeu. Revirou suas memórias e entre a hora em que apagara na cama e a coxa nas suas não descobriu nada. Já tivera esse sonho antes. Acordava com Ela, a mãe de todas as deusas do seu lado na cama.
O cheiro do sanduiche digerido que escapuliu das suas entranhas o desenganou. Morfeu não tinha nada a ver com essa história, ele se retorceu descobrindo Alguém do outro lado da cama. Tinha as curvas certas e os olhos descansavam serenos, o peito tranquilo, seio esquerdo descoberto, como se não fosse preciso sequer respirar. Mas... não respirava! Alguém estava morta do seu lado na cama. Vasculhou a memória freneticamente. Uma resposta, meu deus, uma resposta. Não se acorda assim um Homem de Bem. Tá, não tão de bem assim, contabilizando as pequenas mentiras diárias, o caixa dois da empresa, mas foda-se, ainda se considerava um sujeito decente. Que país é esse em que um homem de bem é acordado com promessas que não vão poder ser cumpridas e um perrengue para resolver ainda antes do café?!
Apoderou-se do resto do cobertor que ainda protegia sua parceira fria e fechou os olhos resoluto. Não aparecera por conta própria? Pois que fizesse agora o favor de desaparecer. Nem que para isso fosse preciso esperar virar poeira. E nas próximas eleições, ah, nas próximas eleições eles iam ver só!