08 setembro 2006

sorvete

Mais um dia típico de verão. Daqueles com praias repletas onde formigam autênticos depósitos humanos de cevada. Famílias inteiras desesperadas por diversão, sugando até à vermelhidão quase cancerígena os fartos ultravioletas... tentativa aflita de fazer render os parcos dias de férias.
Mas ela parecia alheia à explosão de vida que se sucedia em volta. Como se a alma se tivesse, por momentos, despido do corpo e esse tivesse ficado por ali, esquecido...Um sorriso de Mona Lisa dos tempos modernos enfeitava-lhe a boca demasiado grande. O sol, ácido, estranhamente acalentava. O passado turbilhonando na cabeça, passado só há pouco passado.E que invalidava completamente a possibilidade de futuro. O sorriso esmorece nos olhos, pequenas perolas negras, que se aproximam primeiro para depois se fecharem. Decisão tomada. Um grito é sufocado na garganta. Uma criança pequena foge assustada e observa de longe de baixo da toalha materna. As lagrimas escorrem profusas e se somam ao mar calmo antecipando a maré cheia. Remoeu o começo de tudo, a festa, o jantar onde ninguém tinha fome mas que servira como pretexto, a mesma praia com um universo inteiro de estrelas que nem de longe tinham o brilho dos olhos daqueles que reconhecem o seu último primeiro encontro. O sorvete. Framboesa delicioso, que provou nos lábios dele. Inevitável. Deixou escapar um soluço estridente, e decidiu mais um passo. A agua fria roçando pelas coxas. As mãos dele roçando pelas coxas. A alma dela experimentando tons azuis. Dois passos. A agua morna roçando seus segredos. A boca dele experimentou os seus segredos.
A lembrança do seu corpo descobrindo sensações primitivas a acordou daquele torpor moribundo e pode ouvir o anuncio berrado praia afora. Gargalhou desmesuradamente enquanto corria afoita em direção à praia. Sorvete de framboesa, por deus! Um último!

Ledo engano. Ninguém se afoga depois de um sorvete de framboesa!

8 comentários:

Fugu disse...

Tá certo. Praia, maresia, cheiro de iodo e vento salgado acordam mesmo qualquer corpo. E um texto afiado feito esse nos lembra da praia, mesmo quando ela parece tão distante ... beijo você.

tici disse...

sorvete de framboesa desperta tudo! vá lá, quase tudo, talvez.
muito bom!
beijo!

Joana Careca disse...

Oi, passando pra dar oi.
Beijos
Joana

Claudio Eugenio Luz disse...

Narrativa poderosa, minha cara. Daquelas que deixa marcas na memória.

hábeijos

Anônimo disse...

Que sempre os bons momentos se sobrepoem aos maus.
Gostei muito.
Bjs Mami

Desiree disse...

me deleitando por aqui como sempre!

Anônimo disse...

falando em coisas primitivas lendo seu texto eu pensei assim:
quero sorvete
quero praia
quero... cerveja.. hehehe
preciso me apaixonar.

bjs amiga

Fugu disse...

Menina, você ainda está com esse sorvete na mão? Vai derreter ... rsrsrs Seus fãs sentem falta de postagem nova! beijo você!