09 maio 2007

ela

Tudo era breu. Só não tinha decidido ainda se era ele quem estava cego ou se se tratava de mais uma pegadinha da companhia eletrica semi-falida.Achou mais conveniente a segunda opção e tateou em busca da luz, fake neon, do seu celular. Faltava pouco para o sol amanhecer o dia. Um tanto escuro demais, mas depois de tantos pensamentos matutinos o sono tinha desistido dele. Levantou, botou o jeans que jazia no chão escondendo o boxer embaraçosamente mangueirense. Foi andando para a sala enquanto percebia a casa toda em tensão pontiaguda. Àquelas horas em que a noite partira mas o dia ainda estava por chegar, encontrou seu velho sofá apinhado com seus poucos mas bem-nutridos familiares. Rostos soturnos se entreolhando como que velando um defunto imaginário. Varreu a sala descuidadamente tentando entender. Inadvertidamente lhe chegou à boca um gosto de quinino. Piscou tentando atenuar o susto da sua pupila estatelada ante aquela visão inesperada. As vísceras todas em espasmos. Que diabos fazia ali aquele ser humano esquecido. Isso quereria dizer que. Não se atreveu a completar a conclusão que gravitava sob seu cortex. Se deixou escorregar na cadeira mais próxima e esperou acontecer. Não falou nada, só o olhava... mansa mansa tentando um meio-sorriso de miss aposentada.
E foi assim mesmo, sorrindo essa boca que iluminava seus dias vazios e iguais, que ela o tinha deixado, numa tarde fria em que tinha comprado de surpresa ingressos pro teatro. Não era ele, era ela. A velha desculpa gasta e maltrapilha... mas que foi tudo que conseguiu arrancar. Homem não chora, diziam. Mas que espécie de homem conseguia ser sem ela por perto? As lágrimas rolaram soltas, inundando várias páginas do calendário. Tinha vagado meses a fio entre aquelas mesmas paredes tentando recuperar o que só era lar quando a toalha dela era displicentemente jogada na cama.
E lá estava agora, arremendado do jeito que deu, olhando para o que era um tenue esboço do que ela tinha sido.
Tinha envelhecido mal mas lhe restava ainda aquele queixo impertinente que povoava suas lembranças gastas. As mãos tinham ganho algumas dobras mas continuavam bem cuidadas, mãos de moça. Ninguém suspeitaria do que eram capazes em madrugadas como esta...

E todas as variantes do seu genoma expectantes no sofá da sala os observando inquietas como bexigas incontinentes prestes a inundar o próximo take. Sentada na cadeira desconfortável, aquela com as costas quebradas, ela mal respirava. Piscou em um dado momento lhe roubando o folego por vários segundos. Falaria? Parecia não ter pressa. Finalmente o olhou e se mexeu na cadeira. Ela ia falar...

2 comentários:

Desiree disse...

vim morder a fruta, que como sempre é puro deleite... e deixei uma rapidinha, ultimamente anda faltando inspiração para os posts! hehehe.. bjs

Anônimo disse...

nada n ka ntindi... hehehe
beijos