"Ou a mulher é fria ou morde.
Sem dentada não há amor possível"
Nelson Rodrigues
Sem dentada não há amor possível"
Nelson Rodrigues
Mariazinha tinha nascido direitinho. Tudo nos conformes. Cinco dedos de cada lado... essas coisas! E cresceu lindinha, bochechas como toda a tia gosta, serelepe daquele jeito que faz mães reclamarem prás vizinhas com um risinho orgulhoso no canto da boca. Lá pela idade de começar a comer comida de verdade descobriu seu dom. Precoce como acontece com todos os dons genuinos. Mariazinha não leu Dostoievsky aos 4 anos e nunca chegou perto de um piano. Mas ela morde. Da primeira vez foi uma dentada desengonçada... ainda não tinha nem prática nem todos os dentes. Normal né?! Estava possuida pela fúria e a mordida tinha vindo assim de improviso. Mas acertou em cheio a orelha do Flufy que nunca mais destruiu nenhuma boneca sua. Pobre Flufy! O trauma lhe rendeu soluços que o acompanharam até aos ultimos dias da sua vida de cão. O primeiro caso descrito nos livros de veterinária. Vinham pessoas do mundo inteiro para conhecer aquele prodígio canino. Entrou pro Guiness Book e as exibições em programas de tv fizeram com que a família se mudasse para uma casa grandona, com piscina e tudo.
E Mariazinha, a verdadeira dona dos caninos prodígios, alheia a todo aquele escarcéu diário que se armava na sua casa, continuou experimentando suas mordidas em novos alvos. No inicio mordia só com um motivo importante. Ocasioes especiais. O teddy sujinho, a almofada, o João eram só pra praticar mesmo. O problema todo foi que a mãe do João nao gostou e foi lá em casa falar com a dela. A partir daí Mariazinha teve que ser mais discreta. Tudo bem. Já tinha aprimorado sua técnica e catalogado algumas modalidades. Para cada ocasião uma mordida. E tinha que ser sempre perfeita. Fazia questão! A troca dos dentes de leite foi um contratempo horrivel... Mariazinha se arrastava desfigurada pelos comodos da casa incapaz de trincar decentemente um mísero bife. Felizmente passou e os novos vieram mais forte.
E assim Mariazinha cresceu praticando suas dentadas clandestinas agora na versão 2.0... E como cresceu bela a pequena fera dos caninos afiados! Quando finalmente chegou na idade dos beijinhos foi um problema. E Mariazinha amarga considerou pela primeira vez as desvantagens do seu dom exotico. Tentou se livrar de todas as formas possiveis... mas... como travar a mandíbula no momento preciso em que tanto apetecia uma trincada? Pobre Mariazinha desesperada não sabia mais o que fazer. Chegou, no limite, a considerar a possibilidade de extrair um por um. Tem dons que são karmas pensou depois de deixar o quarto ex-futuro-namorado na porta do pronto-socorro semi-mutilado. Resoluta procurou um consultorio dentario.
Já era tarde mas tendo conseguido convencer a secretária da urgencia do caso e foi solicitamente encaminhada ao doutor. E antes que pudesse expressar seu desejo ouviu da boca do dentista uma exclamação surpresa:
-Mariazinha?
Enfim encontrara aquela menininha que lhe primeiro lhe marcara as carnes e o coração... Doutor João suspirou aliviado...
E ninguém duvida que tenham sido felizes enquanto viveram porquanto mordida de amor não dói!
5 comentários:
Hmmm ... sou suspeita para falar porque amor, para mim, é coisa para se por na boca ... rsrsrs Mas o texto, como sempre, está ótimo! Quando sair o livro, convide a gente! beijo você.
eu mordo também... mas não é todo dia.
abração
Morder é bommmmmmmm.
Devagarzinho!
:))
E, olha, Mia Couto é deslumbrante mesmo. Eu sigo encantada.
Obrigada pelas dicas.
www.africamente.com : um novo espaco de amizades e encontros, com videochat, mapas, blogs, albuns de fotos, videoteca, música e noticias !
Amei o texto, confesso que tb gosto de dar uma dentadinha de vez em quando, espero q tb elas me levem ao amor da minha vida...
Postar um comentário