31 outubro 2009

prelude in E-minor

Era um piano de Chopin, se contorcendo em infinitas voltas em torno da mesma nota, como eu sempre fiz com você. Deixei fluir tudo, embalada por aquelas notas cada vez mais altas e rápidas e dolorosas. Senti cada batida, cada mudança de andamento, igual quando vibro sob suas mãos de amante talentoso. Coloquei os fones grandes, para ouvir como se fosse um pensamento e fui me perdendo cada vez mais para dentro, pra longe do mundo e das idéias lúcidas. Apenas aquela melodia segurando minha mão na realidade, feito nós dois sexta-feira no parque, olhando o rio que levava consigo o que sobrou do Outono. Senti em mim essa parte sua que mora atrás dos seus olhos, esse olhar de poesia desmedida que deixa tudo verde, florescendo, e me resgata sempre um passo além do precipício. Quando qualquer tentativa de salvação é vã e nem me lembra protestar. As notas seguiam sua jornada cada vez mais impaciente e me deixei conduzir. Tanta energia me sacudindo inteira que precisei inventar cores novas para ilustrar toda aquela luxúria. Eventualmente a realidade silente me despertou. Além das pálpebras oclusas a harmonia persistia travestida. A noite tinha chegado sem estrelas, só o escuro, e tudo se desenrolava nesta nova quietude apaziguadora. Sem piano ou cores ou qualquer outro movimento que não fosse nossas respirações sincronizadas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo...
C.