31 março 2006

a loira

Travou fundo a tempo de impedir o beijo grego no veículo da frente, poupando o seu velho chevette daquele constrangimento, e se viu em um sinal fechado, aquela luz rubicunda negando alternativas. Estava sentado há tanto tempo no trânsito que não conseguia mais distinguir onde acabava a própria bunda e começava o banco duro. Desconfiou até que já estivesse náfego, e esse pensamento o fez sorrir cáries tristes e distribuir a rala capilância onde havia ausencias. Brindado repetidamente nas ruas com palavras escabrosas que denegriam a reputação materna, raramente se desfazia da habitual fleuma. Desta vez estava se aproximando perigosamente do limite, desejando impotentemnente estorcegar o pescoço do infeliz. Olhou de soslaio a metade do retrovisor que ainda tinha e o viu lá, a três carros de distancia, fazendo gestos obscenos para o cego que tentava ganhar a vida no sinal. O filho da puta não desistia. E o sinal ainda brilhando em vermelho. Da primeira vez que o vira achara-o abnóxio e lhe sabia agora a zesto esse ledo engano. Convidara-o para a rodada de poker ja de olho na sua loira companhia. Zafimeiro de outras eras, nao perderia por nada aquela oportunidade de arrematar dois troféus de um fôlego só: a bufunfa do infeliz e a garota solar que também o acobilhava com seus olhos verde musgo. Se estrepou feio. O infeliz entendia do riscado, levou-lhe toda a renda do jogo de bicho e a corrente prata que sua mãe lhe dera quando se tornara 'de maior'. Restara a loira que o deixara já à primeira vista incendiado, aquele fogo lhe trazia reminiscencias que não soube elucidar. Repassou a cena inteira na memória enquanto observava o ônibus que despencara minutos antes para dentro do Tiete. Bucólica cena de uma manhã de segunda começando. Abordara-a com as mais luxuriosas intenções e, tendo um certo cuidado para que o infeliz não percebesse, a arrastou para longe daquela azáfama. Com parcíssimo pudor viu-se envolvido, apenas, com pele alheia, e de algum modo estranhou quando o pardieiro, na amálgama de um taj mahal, brilhou um brilho conhecido. Regina. A gargalhada triunfante daquela falsa loira o deixou estupefato. Regina era a sua rainha, a dona do seu lar.
Tinha sido uma empreitada imensa convencê-la a dar pra ele, aceitara todas as condições, o véu e a grinalda e a promessa de exclusividade eterna. Questionou-se e antes que pudesse transformar suas indagações em som, a resposta veio com uma direita cruzada que o atingiu em cheio deixando sua mandíbula um tanto ou quanto desarticulada. Revidou meio a esmo deixando o vingador, que acabara de reconhecer como sendo o tio de Regina, contundido o suficiente para que pudesse dar o fora a tempo. "Acaba com ele! Eu não disse que ele não me reconheceria com esse cabelo?" Não ficou para ouvir as opiniões da digníssima a seu respeito, há muito tempo tinha sido informado da sentença em caso de mau passo e não tinha vontade de conferir a veracidade das ameaças.
Olhou os bombeiros iniciando o resgate, o depósito já nos finalmentes, e impetuosamente decidiu seu destino. Acelerou a última gota de gasolina e voou. Naquele dia os jornais chegaram mais tarde às bancas com as manchetes anunciando seu salto para os braços do Tiete, o resgate e o reencontro com as autoridades policiais.
Anos depois, esquecido em algum canto de bangu3 indagado sobre seu arrependimento,o promotor e o defensor publico souberam que lamentava sim, lamentava ter traído Regina, a mulher da sua vida, com uma loira vagabunda que não valia a agua oxigenada que usava.

com a valorosa contribuição de warum nicht
(que tem outra versão para o final da estória, logo ali nos comentários)

6 comentários:

Warum Nicht? disse...

revelou-lhe mais tarde três incongruências: um par de lentes de contato e um falo maior que o seu, dizendo: agora é a minha vez!

Warum Nicht? disse...

em um passe de mágica, o arrastou para longe daquela azáfama. com parcíssimo pudor viu-se envolvido, apenas, com pele alheia, e de modo algum estranhou quando o pardieiro, na amálgama de um taj mahal, brilhou: talvez estivesse morto, mas naquele dia torcido, foi o que de melhor lhe acontecera.

Claudio Eugenio Luz disse...

Narrativa longa em uma história para não deixar dúvidas(?) a setença.

hábeijos

claudio

Joana Careca disse...

Ola!
Beijos
Joana

Warum Nicht? disse...

queremos posts novos!

nandi disse...

sim sr! pois não sr!;-)