No dia da sua morte Joaquim Afrânio, detestava o Afrânio do seu nome, acordou intrépido, antes do galo insone do Seu Jailson, cabra safado e vizinho de longa data. Precisava sair. Com esse pensamento bulinando seus neuronios se deixou engolir pela escuridão adentrando o dia ainda madrugada. Já parte do escuro, libertou um suspiro há muito trancado na garganta. Escancarou a gargalhada para o novo dia que começava e se sentiu estranhamente bem. Raro. Sem vestigios daquele impulso diário de tacar o despertador no pequeno poodle da sua irmazinha pra sair uma hora depois em direção ao primeiro esporro do dia. Neste dia apenas acenou educado prás meninas que esperavam um onibus que as levasse para fora daquela quina do mundo.
No dia da sua morte Joaquim Afranio, detestava o Afranio com todas as suas forças, vasculhou o céu da manhã que chegava com sol omisso, vento forte, nuvens carentes procurando o aconchego umas das outras... Dia nublado, sem chuva... um bom dia para morrer, pensou leviano desconhecendo ainda o fim que chegava em passos largos. Dia de mudanças e a troca do calendário seria só mais uma. Tinha acordado assim de sopetão e se descoberto prenhe. De sonhos. Crescera querendo grudar na memória coletiva tipo super bonder mas não tinha nascido com grandes habilidades. Futebol e música estavam descartadas à partida. O colégio municipal também não tinha sido de grande valia. Nesse dia no entanto acordara com todas as respostas! O plano inteiro traçado.
Decidiu que largaria o emprego e a Francisca. Simples assim, do mesmo jeito que decidira tomar café com duas colheres de açucar. Não sabia mais nem o que o levara aos dois. Bom, até sabia mas agora não precisaria nem de um nem de outro. Tudo tão claro e tão na cara... se perguntou porque não chegara àquelas respostas antes mas a pergunta era inútil e o futuro estava logo ali.
-Afrânio?! Ouviu o nome detestado sendo indagado e sem grandes paciencias para interrupcões inoportunas nao se virou para encarar seu interlocutor.
-Sou eu, porra!
Uma bala que não lhe dizia respeito encontrou sua aorta e o deixou na mesma hora estirado no chão. Sonhos abortados ali no meio fio. Temporáriamente marcado. Com giz no asfalto frio.
2 comentários:
Minha cara, tu é especialista em destrinchar espaços domésticos e situações delicadissimas. Excelente!
hábeijos
Gostei muitos de seus textos, moça. Excelente construção de imagens.
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